A Promessa - 1 Capítulo

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1 Capítulo





  Há dias que vivem na infâmia, tanto para indivíduos quanto
para nações. O dia 12 de fevereiro de 1989 foi o meu equivalente pessoal ao ataque a Pearl Harbor ou ao 11 de Setembro.

                                        Diário de Lua Blanco
  Minha vida nunca foi perfeita, mas até o dia 12 de fevereiro, ela estava muitíssimo perto disso. Era assim que eu pensava, ao menos. Meu marido Fernando estivera fora da cidade por vários semanas e chegara em casa por volta das três da madrugada. Ouvi-o entrar no quarto, despir-se e se deitar. Rolei para o lado, beijei-o e coloquei meus braços em volta dele.

- Fico feliz que esteja em casa.
- Eu também.
  Não fora feito para ser a esposa de um vendedor. Minha concepção de casamento é ter alguém 

para dividir tanto os dias da semana quando os dois fim de semana. E, acima de 

tudo, odeio dormir sozinha. Você poderia pesar que depois de cinco anos eu me 
acostumaria, mas não era assim. Nunca me acostumei. Fernando ainda dormia quando o radio relógio disparou, três horas e meia depois. 
 Desliguei o despertador, virei para o lado e me aninhei em seu corpo quente por alguns

minutos, depois lhe dei um beijo no pescoço e pulei da cama. Aprontei-me para o

dia, acordei nossa filha Luana, de seis anos, fiz o café da manhã para ela a levei-a até a escola.
  Era uma rotina á qual me habituara ao logo dos últimos seis meses, desde que Luana entrara na primeira série e eu voltara a trabalhar. Com Fernando na estrada na maior parte do tempo, eu me tornara bastante independente em minha rotina. Deixei Luana na escola e fui direto para o meu trabalho na Prompt Cleaners – uma lavanderia a seco, cerca de dois quilômetros de nossa casa em Holladay, Utah.

  Fernando ganhava o suficiente para que pudéssemos viver, ainda que não muito mais que isso, e o orçamento estava sempre apertado. Eu trabalhava para que tivéssemos tranquilidade financeira, para os gastos extras, e para me tirar de casa quando Luana estivesse na escola. Não era uma garota ambiciosa, e duvido que trabalhar em uma lavanderia qualifique alguém como tal, mas me enfurnar em casa sozinha o dia todo sempre me deixaria um pouco louca.
  Estava no trabalho havia pouco mais de uma hora, nos fundos, passando ternos, quando Melanie veio me chamar para atender um telefonema. Acenou para chamar a minha atenção.
- Lua, é para você. É da escola da Luana. Melanie – ou Mel, como ela gostava que a chamassem era minha melhor amiga no trabalho. Era, na verdade, minha melhor amiga em qualquer lugar. Tinha trinta e oito anos, uma década mais velha que eu. Vinha de uma pequena cidade ao sul de Utah camada Hurricane (pronunciado Ru-ri-cãn, por seus habitantes), falava com o sotaque do lugar, com uma leve ênfase animada nas vogais, e usava expressões afetuosas com quase a mesma frequência que o rap usa palavrões.
  Era casada havia dezoito anos com Chay, que trabalhava na companhia telefônica, e fazia bicos ocasionais na guarita de uma construtora. Tinha uma filha, Jan, umanversão loira de dezesseis anos da mãe, Jan também era a babá preferida minha ede Luana.
  Adoro Melanie. É uma dessas pessoas que o céu raramente manda para a terra – uma alegre combinação de loucura e graça. Era uma amiga como Melanie.
- você me ouviu, querida? – repetiu. – O telefone.
- Eu ouvi. gritei por sobre o assobio da máquina de passar. Pendurei o terno que estava passando, e caminhei até a frente da loja.
- É da escola? Melanie me entregou o telefone.
- É o que a moça falou. Joguei meus cabelos para trás e coloquei o aparelho na orelha.

- Alô, aqui é a Lua.Uma voz jovem e feminina disse:
- Senhora Blanco, meu nome é Ângela. Sou a enfermeira do Hugo Reid. A pequena Luana está se queixando de dores de cabeça e de uma irritação no estômago. Está aqui deitada em minha sala. Acho que ela provavelmente precisa voltar para casa. Fiquei surpresa, já que Luana se sentia perfeitamente bem uma hora antes, quando me despedi dela.
- Está bem, claro. Estou no trabalho agora, mas meu marido está em casa. Um de nós estará ai dentro de meia hora. Posso falar com Luana?
- Claro. No momento seguinte, a voz de Luana irrompeu baixinha no telefone.
- Mamãe?

- Oi, minha querida.
- Não estou me sentindo bem.
- Que pena, meu amor. Papai ou eu vamos pegar você. Logo estaremos ai.
- Tudo bem.
- Eu te amo, meu bem.
- Eu também te amo, mamãe. Tchau.
Desliguei o telefone. Melanie me fitava da caixa registradora.

- Está tudo bem?

- Luana está doente. Ainda bem que Fernando está em casa. Liguei para casa e deixei o telefone tocar ao menos uma dúzia de vezes antes de desligar. Resmunguei, olhei para Melanie e balancei a cabeça.

- Saiu? perguntou Melanie.

- Ou isso ou ainda está dormindo. Preciso buscar Luana. você pode me cobrir? 
- Pode deixar.
- Não sei como está a agenda de Fernando. Talvez eu não consiga volta.
- Não se preocupe, o dia está calmo.
- Obrigada. Fico devendo uma.
- Você me deve muito mais que uma, amiga - ironizou Mel. - E, algum dia, vou cobrar.
  A escola de Luana ficava a apenas seis quarteirões da lavanderia, a poucos minutos de carro. Estacionei na frente da escola e caminhei até a secretaria. O secretario me aguardava e me conduziu até a enfermaria. Luana estava deitada sobre uma maca, com os olhos fechados, e a enfermeira se encontrava ao seu lado. Aproximei-me da maca, me inclinei e beijei a sua testa. 
- Oi, querida.
Seus olhos se abriram devagar.
- Oi, mamãe.
Suas palavras eram um pouco ininteligíveis, e seu hálito tinha um cheiro forte de vomito.
A enfermeira falou:
- sou Ângela. Você tem uma garotinha muito meiga, aqui. Sinto muito por ela não estar 
bem.
- Obrigada. É estranho, ela estava bem esta manhã.
- A senhora Rossi disse que ela parecia bem quando chegou, mas depois começou a se queixar de dor de cabeça e 
dor de estômago por volta das dez horas. Medi sua temperatura há meia hora, mas 

estava normal, 36,8ºC.
Balancei a cabeça mais uma vez.
- Estranho.
- Talvez seja uma enxaqueca – disse a enfermeira. – isso explicaria a náusea. Ela vomitou há uns minutos Esfreguei a bochecha de Luana. 
- Puxa, querida. 
- Ela nunca teve enxaqueca. Talvez um pouco de repouso ajude. Obrigada.
- Não há de quê. Direi á senhorita Rossi que Luana foi para casa.
Inclinei-me ao lado de Luana.
- Vamos, 
querida?
- Ahã. Ergui-a nos braços, e levei-a pendendo sobre meus ombros até o carro.
la não falou muito enquanto eu dirigia para casa, e, sempre que me virava para
trás, ficava surpresa em ver como ela parecia doente. Adentrei a garagem
torcendo para Diego ainda estivesse em casa, mas seu carro não estava ali.
Levei Luana para dentro, e deitei-a em nossa cama. Ela ainda estava letárgica.
- Você precisa de alguma coisa, coração?
- Não Ficou de bruços e afundou a cabeça em meu travesseiro. Puxei o lenço
até seu pescoço. Sai do quarto e liguei para o ramal de Fernando, mas tudo que
consegui foi ouvir a mensagem da caixa portal. Liguei para Melanie, para
avisá-la de que aparentemente não voltaria ao trabalho naquele dia.
- não se preocupe, meu bem – ela respondeu. – Eu a cubro.
- Eu te amo – disse.
- Eu também. De um beijo na Lu, por mim. 


                                                                                  Continua....

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