"Certezas" - 4º Capítulo

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POV LUA

No capitulo anterior…

Arthur levou dias a se acostumar a tudo e a “ignorar”. Me tratou normalmente e todos os dias eu lhe agradeço por isso, pois só me faz esquecer um pouco do problema que eu tenho. 

Minha mãe me chamou e só depois de eu tomar o meu café da manhã, junto com os meus remédios, é que consegui ficar um pouco sozinha para ler o que Arthur tinha escrito no meu diário. Ele disse que tinha escrito apenas uma folha, mas na verdade foi duas e umas poucas linhas da terceira página.

“Eu estive pensando em tudo o que você me tem dito até hoje. Você sempre fala que não vai poder realizar todos os seus sonhos. Então, peço que apenas complete a minha lista. Eu fiz aqueles que sei que são os seus sonhos. Eu fiz dez e você terá de fazer outros 10 sonhos. Se você quiser, pode tirar os que eu fiz e fazer uma nova lista. Por favor, coloque tudo. Não pense que nada é impossível, porque tudo é possível!”

À baixo da sua letra bagunçada, estavam numerados de um a vinte todos os meus sonhos. Como ele disse, havia escrito 10 e eu teria de escrever outros 10.
Vemos logo que Arthur é mesmo o meu melhor amigo, meu irmão. Ele me conhece mais do que eu me conheço a mim própria. Dos dez meus sonhos que ele escreveu, em todos ele acertou. Ele sabia que eu tinha o desejo de pintar o cabelo de loiro e sabia perfeitamente que eu adorava um dia colocar um piercing, apesar da minha mãe não gostar muito da idade. Muito menos de fazer uma tatuagem. 

(…)

Havia saído com a minha mãe e cheguei muito cansada. O sol lá fora estava bem quente, apesar do vento vir frio. Enfim, estamos em Londres, é normal. Eu já me tinha acostumado, porém, hoje o meu corpo reclamou um pouco.
A minha irmã, assim que eu cheguei em casa, veio correndo até nós mostrando o bolo que tinha comprado na rua. Era um bolo simples com cobertura de chantilly em cima e uns morangos como decoração. Eu estava um pouco tonta, vendo tudo andando à roda, mas não disse à minha mãe para que não se preocupasse. Peguei uma fatia daquele bolo e comi. Peguei a segunda e ainda levei uma terceira para o meu quarto, enquanto ficava vendo um filme qualquer que o Arthur me tinha indicado. Quando peguei a terceira fatia de bolo e dei a primeira dentada, senti o meu estômago contrair e algo subir pela minha garganta. Larguei o bolo de lado e corri para o banheiro. 

(…)

Só por eu não ter atendido às quinhentas chamadas que o Arthur me fez, ele veio correndo até à minha casa depois da escola. Pensou que algo de ruim me tinha acontecido. Acordei com ele sentado ao meu lado. Ele passou as mãos nos meus cabelos e sorriu. 

- Você adora me pregar partidas das ruins, não é? – ele sorriu. Mantinha a voz calma, apesar de querer brigar muito comigo
- Foi só um desmaio. – não quis olhar para ele
- Você sabe que não pode comer coisas doces. Esqueceu que tem de fazer aquela dieta baseada em legumes e frutas?
- Mas aquele bolo estava tão bom – fiz bico
- Mas você não pode. – ele passou novamente a mão pelos meus cabelos
- Eu estou farta disso! – quis me levantar da cama mas ele me impediu – Eu estou farta de estar limitada em certas coisas. Eu quero comer doces, eu quero ir pra balada e beber todas, eu quero me sentir livre e…
- Quer ir para a balada e beber todas? – Arthur me encarou quase rindo – Lua, você não é assim.
- Mas eu quero ser! Eu quero ser como as pessoas da minha idade que têm a vida livre e não têm de estar presas em casa por terem uma doença crónica.
- Eu sei Lu, eu sei que custa…
- Não, você não sabe! – gritei com ele e comecei a chorar – Não é você que leva injeçoes que doem tanto, não é você que toma uma quantidade infinita de medicamentos, não é você que é olhada de lado por ser magra e mesmo assim ter problemas de açúcar no sangue e não é você que…
- Chega! – ele gritou comigo pela primeira vez – Eu estou aqui com você, não estou? Eu estou vivendo mais a sua vida do que você própria. Eu largo os meus estudos em casa e venho para cá a correr feito um louco, com um pressentimento de que algo tinha te acontecido e aconteceu mesmo… eu me preocupo com você e você ainda me trata assim? – ele se levantou e pegou a sua bolsa – Eu vou embora. Quando estiver mais calma, me liga! 

Arthur saiu do meu quarto batendo com a porta e nem olhou para trás. 
Estou farta de perder tudo o que eu tenho por causa dessa merda dessa doença. Estou farta de não ter pessoas à minha volta que me compreendam e estou muito farta mesmo de ter de levar a serio essa maldita dieta de legumes e frutas. Qualquer dia, vão me chamar de mulher verde, e não de Lua. 

- O Arthur saiu irritado daqui. Vocês discutiram?
- Não quero falar disso – respondi à minha irmã no jantar. Eu estava comendo verduras e peixe cozido. Odeio isso. Odeio.
- Lua, o garoto chegou aqui ofegante de tanto correr e você ainda o trata mal?
- E quem disse que eu o tratei mal?
- Para ele ter saído daqui daquele jeito, alguma coisa você fez
- Vocês sempre acham que a culpa de tudo o que acontece de errado é minha. Vocês não me entendem. Ninguém nesse mundo de entende. Eu estou farta dessa vida. Eu quero morrer de uma vez! – gritei e sai da mesa chorando

A realidade é esta mesmo. Eu sei que a minha mãe e a minha irmã são as que mais se preocupam e que talvez não mereçam eu que as trate deste jeito. Mas acho que estou naquela fase de revolta, e acredite, para mim é muito difícil estar assumindo isto.
Chorei mares durante a noite, agarrada à minha almofada da cama. Talvez só ela me entende. Eu comecei a imaginar o seu possível futuro sem essa doença. Eu seria mais feliz, ahh se seria. Eu ia sair por ai com um sorriso nos lábios, ia aproveitar a minha vida ao máximo, ia ter montes de amigos verdadeiros e com eles passar os melhores momentos.

Neste momento, só tenho um amigo verdadeiro, o Arthur. E é com ele que estou chateada faz dois dias. Quebrei o meu orgulho e liguei para ele. Ele não me atendeu, pois devia estar em aulas. Ele me mandou uma mensagem e perguntou o que eu queria. Doeu ver ele me tratando com todo aquele desprezo. Mesmo assim, respondi que precisava de o ver. Fazia exactamente dois dias que eu não saia de casa e estava ficando difícil só ver as paredes do meu quarto. 

“vinte minutos e já chego em sua casa” – ele me respondeu

Me preparei. Não queria que ele me visse com aquele rosto branco e aquele cabelo totalmente bagunçado. Tomei um banho bem rápido e vesti uma roupa confortável e quente. Hoje de manhã, tinha começado a nevar. Estava um dia lindo. 

- Oi. – disse ele, meio tímido, entrando no meu quarto. Eu estava acabando de colocar o cachecol à volta do pescoço e me virei para ele
- Oi Arthur. – fui até ele e o abracei inesperadamente. Ele também não estava à espera daquele abraço, mas senti os braços dele de volta do meu corpo também. consegui sentir a sua respiração quente no meu pescoço. Tão bom sentir isso. – Me desculpa. Eu não devia ter descontado em você. Você não tem culpa de nada. Eu é que sou uma tola. 
- Eu também não devia ter gritado com você. Mas sinto que você, às vezes, é injusta comigo.
- Pois tente me entender… - sentamos na minha cama, lado a lado e eu peguei as mãos dele – Eu estou doente. Esta doença crónica está a acabar comigo. Eu sinto que não tenho forças para continuar a sorrir. Nada nessa vida me deixa feliz. Nada me dá forças para continuar. Eu olho à minha volta e vejo pessoas fazendo o que elas querem e aproveitando esta vida. Eu não posso fazer isso.
- Pode sim. – Arthur apertou um pouco mais as minhas mãos – Eu vou fazer a sua vida melhorar. Nós vamos dar a volta por cima de tudo, ok?
- Promete? – ela sorriu
- Prometo! – ele sorriu de volta para ela – Fez aquilo que eu te pedi?
- A lista dos vinte sonhos?
- Sim.
- Fiz. – ela se levantou e foi ao seu diário buscar as folhas que havia arrancado propositadamente para entregar a Arthur – Mas onde você quer chegar com isso? Quer me deixar mais iludida, é? – eu o encarei
- Claro que não. – ele pegou as folhas e guardou no bolso – Não se preocupe. O resto fica por minha conta. 
- Vou confiar em você, lindo. – abracei Arthur que retribuiu novamente o abraço – Como sempre eu faço. Eu nunca mais vou descontar em você, tá bom?
- Pode descontar. Eu sei que isso te faz bem.
- Mas não faz a você. – suspirei – Eu sei que você faz de tudo para me ver feliz. 
- Pois faço. E vou sempre fazer.
- Promete?
- Prometo! – apertamos o dedo mindinho um do outro como sempre fazíamos nas nossas promessas. 

Se comentarem muito, eu posto mais um hoje!

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